A comunicação política está a sofrer uma transformação profunda, impulsionada pela crescente presença de influenciadores digitais. Aqueles que, até há poucos anos, eram mestres em recomendar produtos ou partilhar estilos de vida tornaram-se, agora, atores centrais na formação de opinião pública, especialmente entre públicos mais jovens ou afastados dos meios tradicionais. Este fenómeno traz consigo novas oportunidades, mas também desafios graves para a democracia.
Estes criadores digitais constroem uma relação de confiança com os seus seguidores que supera, em muitos casos, a que o público estabelece com os meios de comunicação convencionais. A familiaridade e o tom direto usados nas suas plataformas tornam-nos poderosos canais de comunicação política — capazes de tocar audiências que normalmente se mantêm à margem dos debates sociais e eleitorais.
Porém, essa nova dinâmica traz consigo uma lacuna significativa: a falta de transparência e de mecanismos de responsabilização adequados. Quando alguém com milhares, ou milhões, de seguidores nesta esfera assume uma mensagem política ou recebe compensação para influenciar esse discurso, os instrumentos legais que regulam a publicidade eleitoral ou o financiamento de campanhas nem sempre conseguem acompanhar. Estão faltando rastreabilidade, registos claros e supervisão eficaz.
Tradicionalmente, os meios de comunicação institucionalizados eram submetidos a normas de prestação de contas, leis de mídia e padrões éticos que permitiam identificar quem estava a dizer o quê, em nome de quem, e com que patrocínio. No ambiente dos influenciadores digitais, essas linhas muitas vezes se confundem: o conteúdo pode parecer uma opinião espontânea, mas tratar-se de uma colaboração paga, uma campanha subliminar ou uma extensão de estratégias políticas ocultas.
Além disso, os influenciadores exercem um papel que vai além da simples reação aos acontecimentos políticos: eles também moldam os temas, filtram a informação e definem o que é relevante para cada comunidade de seguidores. Nesse sentido, parametrizam o universo informativo de modo personalizado, ajustado aos interesses ou às sensibilidades de cada nicho — o que por um lado representa uma democratização da comunicação, e por outro intensifica o risco de bolhas informativas e polarização.
Por outro lado, há um potencial positivo: os influenciadores podem contribuir para aumentar a participação democrática. Ao falarem com públicos pouco representados ou desconectados dos canais tradicionais, criam pontes entre o cidadão comum e o ecossistema político. Mensagens sobre voto, direitos ou participação cívica ficam mais acessíveis. Se bem regulados, podem tornar-se aliados da cidadania digital.
Mas para que esse potencial se concretize, é necessário investir em três frentes principais: primeiro, clarificar as regras e obrigações dos influenciadores quando abordam políticas ou eleições; segundo, garantir que haja mecanismos de rastreamento — quem financiou, quem publicou, qual o público-alvo; terceiro, promover literacia digital para que os públicos percebam o tipo de conteúdo que consomem, e com que grau de independência ele foi produzido.
No fundo, esta mutação reflete um momento de viragem: a arquitetura da informação política mudou. Os criadores de conteúdo online deixaram de ser periféricos para ocupar lugar central na cena democrática. E se a democracia pretende manter-se vibrante, transparente e inclusiva, terá de reconhecer, mais cedo ou mais tarde, que exercem poder — e reger esse poder com as mesmas exigências que se aplicam a outros actores da comunicação política.
Autor: Junde Carlos Pereira

