A revista Tema reuniu a opinião de especialistas nas áreas de comunicação, ciência política e sociologia para discutir o impacto do uso das mídias sociais no cenário das eleições de 2014
As eleições realizadas em 2014 reforçaram a importância do uso das mídias sociais como um espaço de comunicação e de debate político. Até 2010, a estratégia dos candidatos era estar presente nas ferramentas mais populares e, normalmente, agir na rede como ação complementar de divulgação dos conteúdos das mídias tradicionais. Hoje a sociedade digital exige mais interação e assim o faz, tanto porque as suas possibilidades aumentaram como porque sua reação mudou.
A evolução das tecnologias, o surpreendente crescimento de internautas e o comportamento dos eleitores mostraram que o cenário de 2014 seria diferente. Nas últimas eleições, uma campanha política, de fato, foi realizada nas redes sociais por candidatos, eleitores e militâncias. “Nunca vi tanta gente discutindo política como na timeline do meu Facebook nessa eleição”, afirma a fisioterapeuta Camila Marques. Certamente, a opinião dela pode ser compartilhada por muitas pessoas.
O impacto do fenômeno “redes sociais e eleições” está sendo estudado por especialistas e academia, e a revista Tema se propôs a discutir a questão do comportamento da população cibernética durante as eleições. As atitudes vistas em 2014 geraram empoderamento? Teve maior participação política ou o movimento trata-se apenas de mais uma ‘onda’ de internet? Em 2014, a campanha política nas redes não foi uma preocupação apenas dos profissionais de Marketing, a participação social em torno do tema foi intensa e os ânimos ficaram alterados. Camila conta que, durante o segundo turno das eleições para presidente e governador do Distrito Federal, foi obrigada a fazer uma ‘limpeza’ de amigos no Twitter e no Facebook. “Não dava mais para ler tanta opinião radical tanto para um lado, quanto para o outro. As pessoas estavam, literalmente, se agredindo por causa de política. Eu quase desisti de amizades por causa dos excessos, por isso, decidi me afastar daqueles comentários”, relembra a fisioterapeuta.
O mestre em Sociologia Marcello Barra acredita que o comportamento dos internautas foi determinante para a campanha presidencial, tanto para a postura adotada pelos candidatos quanto no resultado das eleições. “Essa forma de agir social, essa politização, foi o que orientou o conteúdo das propagandas e que, também, determinou o resultado da política”, avalia. Para ele, isso não é fogo de palha. “Como diria Shakespeare, não é muito barulho por nada. Pelo contrário, a população assumiu o poder nas mãos”, opina Barra.
Raquel Recuero, jornalista e doutora em Comunicação Social, enxerga o cenário com outros olhos. Para ela, o clima predominante nas redes foi influenciado pela postura das mídias tradicionais. “Houve uma radicalização muito forte, mas é importante observar que esse efeito é resultado mais do ecossistema da mídia em torno de cada candidato do que das estratégias dos mesmos em redes sociais”, analisa a comunicadora.
Para a jornalista e doutora em Ciência Política Alessandra Aldé, existem perfis muito diferentes de quem usa a rede mundial de computadores. Dessa forma, não é possível dizer se há ou não empoderamento no uso de uma ferramenta, uma vez que isso é individual. “A perspectiva complexa do indivíduo faz com que as apropriações nas mídias sociais sejam distintas. Para algumas pessoas essa relação pode ser revolucionária, para outras o impacto não influencia no pensamento já formado. É ingênuo achar que o uso das redes é libertador para todas as pessoas”, reafirma.
Pessoas diferentes = comportamentos diferentes
Alessandra enumera que existem, pelo menos, três tipos de perfis de internautas. O primeiro grupo são os usuários ávidos, conectados o tempo inteiro, que buscam várias fontes sobre uma mesma informação. “Normalmente, esses acabam se tornando difusores e conectores de conteúdo nas redes”, explica. Há também o segundo grupo: as pessoas que estão sempre conectadas, mas não têm uso tão ativo, embora utilizem intensamente informações que estão na rede. Elas recorrem sempre aos canais habituais, como portais de notícias.
O terceiro grupo é caracterizado por aqueles que seguem tendências predominantes do momento, normalmente, pautadas pelos meios de comunicação de massa tradicionais. “Nas redes, existe um grande potencial de contaminação, e essas pessoas fazem um papel importante, que é o de alimentar a ‘onda’, reforçando em seus veículos o interesse, a audiência e a consequente cobertura”, reflete a professora. Ela acrescenta que esse último perfil pode ser considerado como consumidores de escândalo.
A cientista política também levanta outro aspecto que impacta a análise das eleições, além da identificação dos perfis de participantes. “Assim como na vida, nas redes sociais as pessoas se associam a pessoas que já pensam mais ou menos da mesma forma. É muito difícil furar essas bolhas, as publicações em geral atingem um ciclo de convertidos”, diz Aldé.
Questionada sobre a reação ‘exagerada’ de alguns eleitores nas mídias sociais, Raquel identifica um conjunto de fatores. Ela indica primeiro as características naturais da mídia social, que reduzem as barreiras evidentes entre as diversas teias sociais que cercam um indivíduo. “Quando você fala com diferentes grupos, há assuntos que são acordados implicitamente como cabíveis. Assim, com os amigos defensores do candidato A, se somos A, conversamos sobre este assunto. Quando conversamos com amigos defensores de B, ao contrário, pisamos em ovos ao falar de política, reduzimos o impacto de nossas opiniões e procuramos outros assuntos”, explica. Para ela, o problema é que você não consegue fazer essa separação de audiências nas redes sociais online.
Raquel Recuero concorda e acrescenta que, enquanto os candidatos de partidos menores foram mais beneficiados pela visibilidade dada nas redes sociais, candidatos de partidos maiores tiveram mais dificuldade para fazer com que suas informações circulassem fora dos seus simpatizantes, dificultando a captação de novos eleitores. “Raramente existiu uma circulação de informações de um candidato A dentro de grupos de indecisos ou eleitores de B. Ao contrário, candidato A circulou principalmente entre seus próprios eleitores e, algumas vezes, entre aqueles que odeiam o candidato”, analisa.
“Como a audiência está invisível, não nos damos conta do impacto de colocar uma opinião, porque normalmente imaginamos uma audiência específica. Quando alguém se posiciona, assim, acaba fatalmente por ofender quem não pensa como você, especialmente quando essa posição é publicada no calor do momento”, acrescenta. Ela também aponta que quando conversamos com outras pessoas, nós recebemos pistas imediatas das reações daquela pessoa ao que dizemos. “Essas pistas são fundamentais para modular a conversa, dizer quais assuntos podemos ou não conversar sem brigar. Nos sites de rede social, falamos com uma tela. Não há feedback imediato, não se percebe claramente quando se passa dos limites”, explica.
Eleições e Redes Sociais 4.jpgMarcello Barra acredita que, apesar dos excessos, o debate político ocorrido nas redes pode sim ser considerado como um indicador de politização no país. “Se uma pessoa precisou escrever uma palavra a mais em um post para argumentar uma ideia, você já pode considerar que ali há politização do indivíduo”, defende Barra. Para ele, esse é o momento da política 2.0, onde as opiniões vão vocalizar e se ampliar nas redes. “Cada post desse é importantíssimo, independente do seu conteúdo, porque o indicativo de qualificação do debate é maior no aspecto macro e social do que no aspecto individual”, sugere o sociólogo.
Alessandra Aldé avalia que a internet é um espaço rico de informações políticas, mas alerta que é preciso saber pesquisar. “A internet não obriga ninguém a ser diferente do que é. Não é o fato de você ter acesso a uma tecnologia que faz com o uso dela seja, necessariamente, transformador”, conclui. Ela destaca ainda que o mais importante que a web traz para essa geração é a oportunidade de acesso. “A internet é uma tecnologia democrática, as pessoas que antes tinham interesse em descobrir informações e não tinham meios viáveis têm essa possibilidade hoje e podem fazer bom uso”, afirma.